28 setembro, 2009


O que é que te falta?
A resposta pode ser simples e bem direta. Temos uma lista na ponta da língua das “faltas” que, uma vez supridas, nos tornariam realizados e, portanto, em nossa concepção, mais felizes: uma casa, um amor, boa saúde, 10 kilos a menos, realização profissional...
Algumas poucas vezes em minha vida eu conheci pessoas que já tinham “ticado” todos os itens da lista. Uma dessas pessoas tornou-se para mim uma lição de vida porque ensinou-me a pontuar mais justamente o placar realizações x felicidade (onde nunca há empate).
Foi um ex-chefe que atingiu, em um nível superlativo, todas as realizações pessoais que um homem pode almejar. Profissional renomado, rico, inteligente, saudável, com sua casa “Claudia”, Porshe na garagem, família de comercial de margarina... dotado de uma tal insaciedade que a tal casa o torturava em seus detalhes de manutenção, sabotava sua excelência profissional negligenciando prazos, desrespeitando clientes e menosprezando colaboradores, não nutria seus vínculos amorosos porque apesar da família “modelo” era mais próximo a um vinho bem pontuado por Robert Parker e a uma pseudo-terapeuta que o extorquia a troco de uma hora de ouvidos mal-atentos e corroborações à suas vaidades. Esse homem, do alto de todas as suas realizações, tornou-se o meu ícone de fracasso.
Há um item, que nem sempre é mencionado na nossa pré-elaborada lista, mas que penso ser o único que pode ser associado diretamente a felicidade. É o que pode preencher o vazio que todas as outras conquistas, uma vez alcançadas, ainda pode deixar: Um projeto de vida.
O que pode ser? Qual pode ser o teu? Escrever um livro, adotar uma criança, engajar-se numa causa social, tornar a vida de alguém melhor e mais feliz, descobrir uma cura... enfim, algo grandioso quando já se tem tudo de grande: amor, saúde, dinheiro e realização profissional. Mas creio que esse projeto de vida que falta a tantas pessoas consiste justamente no que é considerado pequeno e, por ser pequeno, novo para quem não está acostumado a se deslumbrar com o que se convencionou chamar de “menor”.
Onde é que se encontra o sublime? Perto. Ao regar as plantas. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça, num campo aberto, onde houver natureza. Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com alguém querido. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração. Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o “ser feliz” pelo “parecer feliz”, nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa.
Sei que tudo isso parece fácil e que não é. Algumas pessoas não conseguem desenvolver essa satisfação interna que faz com que nos sintamos vitoriosos simplesmente por estarmos em paz com a vida, mesmo possuindo problemas, mesmo tendo questões sérias a resolver no dia a dia.
É inevitável que se pense que a saída está na religião, mas dedicar-se a uma doutrina, seja qual for, pode ser apenas fuga e desenvolver a alienação. Mais do que rezar para um deus profético e soberano, acredito que o que nos sustenta passa sim, por uma espiritualidade, porém menos dogmática. É o cultivo de um espírito de gratidão, sem penitências, culpas, pecados e outras tranqueiras. Gratidão por estarmos aqui e por termos uma alma capaz de detectar o sublime no essencial, fazendo com que todo o supérfluo, que não é errado desejar e obter, torne-se apenas uma consequência agradável desse nosso olhar íntimo e amoroso a tudo o que nos cerca.

3 comentários:

Unknown disse...

Carla, nunca imaginei ler algo tão perfeito para esse momento. Estou na casinha da Fabi, de pijama, vendo TV e feliz de saber que existem pessoas que pensam como você. Um beijo, querida, Bella&Fabi

Anônimo disse...

Carla,

Maravilho!!!
Sem duvida, tem gente pequena, que andar de carro zero! É sufiente para humilhar os outros, o valor esta na alma, os resultados são conquistas....

Anônimo disse...

Oi Amada,
Vc não sabe o quanto fiquei feliz de ver vc lendo isso pra mim...
Quero te agrader pelas palavras e por vc existir na mimnha vida..
te amo sua e sempre amiga
drika