
De manhãzinha, às vezes, corria para os fundos da casa velha e sentava no chão de cimento. Recostada na parede descascada me deixava atingir pelos primeiros raios de sol. Ficava quieta, solene, admirando as palmas de minhas mãos, sentindo os fios dos cabelos se aquecerem. Então eu era invadida por uma extrema lucidez. Ficava lúcida e plena dos sentidos, de mim e de que não havia nada mais importante do que estar ali, no agora. Na verdade outro momento que não aquele não era nem concebível. Plena, lúcida, iluminada e aquecida era o meu estado de ser e estar naqueles poucos minutos. Em seguida tudo se desvanecia e eu saia à caça de joaninhas pelo quintal. Sunny girl.
"Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer ... O estado de graça de que falo não é utilizado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. É uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço sabe. Apenas isso: sabe-se. Não me pergunte o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil, sem esforço: sabe-se.
E há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de se existir materialmente."
(C.Lispetor)
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