30 novembro, 2008




Tenho poucos registros fotográficos da minha infância. Fotografar era um privilégio reservado à eventos especiais, daqueles dignos de serem incluídos nas páginas do album de família, com notas e datas no verso das fotografias.

Algumas poucas dezenas de fotos em preto e branco que guardo cuidadosamente no album, registram uma garotinha solene de olhos oblíquos, escuros, inquietantes. As escassas fotos da adolescência revelam a mesma menina disfarçada em roupas escuras, pose rebelde, estampando um sorriso de escárnio. E ainda posso reconhecê-la em algumas fotos mais recentes, ainda raras, naquelas que me permito encarar as lentes e fazê-la mostrar-se e expor-me.

Mas minha melhor forma de expressão, de exposição são as palavras escritas. Escrevendo me desnudo, me reconheço. Ainda assim, eu me curvo ao poder único e eloquente da imagem. E sinto o anseio que todo texto tem por uma imagem que o complemente, que o traduza, que o ilustre ou que o resuma.

Considero fotografia uma arte, pela capacidade que tem de capturar a alma do fotografado, a essência do objeto, e revelar a nós algo que nosso olho não consegue enxergar. Mas me exaspero com a banalização da imagem. Hoje, com um celular na mão e nenhuma idéia na cabeça, você documenta baladas, desconhecidos, sorrisos construídos, poses feitas, tsunâmis, transas, shows...

Ainda carrego o estigma de infância de que fotografia deve ser reservada para momentos dignos de nota e, paradoxalmente, aprendi que há momentos pessoais, que de tão sublimes dispensam o registro fotográfico. A emoção fica impressa na retina da alma, indelevelmente.

Pergunto: se você não documentar suas experiências e emoções, elas deixam de existir? Você deixa de existir?

O momento do teu pedido de casamento, aquela caminhada que deu sozinha à beira-mar, o mergulho noturno, o café da manhã na cama enquanto viam uma comédia romântica, a declaração de amor no meio da estrada – se você não fotografou nada disso, será que aconteceu mesmo?

Você ainda consegue lembrar da vida, reviver a emoção de momentos únicos sem a ajuda de lembretes fotográficos?

Minhas duas últimas viagens ao Exterior foram feitas sem máquina fotográfica ou celular na bagagem. Fui e voltei sem uma única foto, o que para muitos talvez signifique “ela não foi”. Mas fui e retive. A vida também acontece sem provas documentais.

Numa dessas viagens, tive a oportunidade de ver a exposição que registra todas as fases da trajetória de Annie Leibovitz, começando pelas fotos que fazia da família, passando pela fase roqueira na revista Rolling Stones, até a consagração na Vanity Fair. Entre seus inúmeros flagrantes, constam os momentos finais de seu pai e da escritora Susan Sontag, as duas pessoas que ela mais amou.
As fotos de ambos, cada um na sua hora, agonizando, estavam na exposição. Annie Leibovitz é uma artista, e suas lentes são seus olhos, ela não dissocia vida e trabalho, mas admito que senti, mesmo havendo consentimento dos fotografados, uma invasão na intimidade mais secreta de cada um, que é a solidão. Louvável como registro jornalístico, mas desnecessário como despedida pessoal.
Tudo isso para dizer que certas ocasiões ainda me parecem suficientemente fortes para resistirem intactas na nossa lembrança, e apenas nela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Carlucha
ficou melhor com a sua foto.
beijos