16 dezembro, 2010




Talvez seja ilusão. Caleidoscópio colorido, encantamento e náusea. Ótica desiludida, expectativa desfocada. O querer se expandindo e encolhendo-se numa dança de redemoinho colorido.

Talvez sejam os meus passos, seguintes, sem rastros, calcando areias, estradas, relvas, assoalhos, labirintos. Sem rumo. Desviando da pedra no caminho.


Mas não existem regras na sucessão das horas. Nem na intensidade dos desejos. Não há como saber. Assim, enclausuro em mim, entre paredes de origami, a sede que me inunda. E vou adormecendo paisagens, enquanto murmuro cantigas de viajante.


Agora limito-me a rabiscar a folha vazia, não há página tão bem escrita. Nada a declarar.


Escrevo-me. Simplesmente. Agasalho viagens, passeio por estas rugas, revisito um corpo. E, então, quando venho à tona do hoje me retomo e por querer ou por dever, reescrevo-me.


Talvez seja fome, talvez seja raiva que revira meu estomago. Pouco sei.


Talvez seja New York, ou mesmo as cerejeiras que em Kyoto se deixam florescer. Ou ali, ou aonde.


Uni-duni-tê. Não há como escolher. Estou conforme a música. Me recolho e avanço. Sabor da maré.


Pode ser que seja o deserto, puro como o alcatrão da cidade. Pode ser o campo vasto, verde, duro. Pode ser o quarto de menina ou chão de cimento ou portão rangendo. Pode ser que eu não me veja em nenhum desses lugares. Talvez só em mim eu me queira.


Talvez não haja o tempo. Talvez não ache o espaço. Mas existe uma brecha. Porta entreaberta, veneziana lascada, luz do abajur no quarto insone. Há o depois, o depois e o depois.


Mas me enxergo com doçura quando me sinto prestes a implodir. Ou, quando me vem a palavra e todas as vozes ecoam na minha boca num esperanto caótico. Quando o reflexo do meu pensamento é o fogo ardendo no horizonte. Então me sei.


Serei eu? Um agnus dei, brinco de princesa, pó de arroz, um tremor. Há quem saiba quem sou. Serei o que me compor? Por vezes acredito que sei.


Deixo que a ambiguidade se declare como dilatadas sementes de paineira, deixo que esta folha se rasgue e todas as tênues fronteiras se mesclem, deixo que o medo se dilua na dimensão das travessias. Só a dor extravasa o sonho. Só de sonho é a vida, crua, alça de tripa e metal. Às vezes a vida é líquida, Hilda.


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